O PODER DE POLÍCIA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO

CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO – UNIFIEO
O PODER DE POLÍCIA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
OSASCO/SP
2009
ELISEU GOMES DE OLIVEIRA
FACULDADE DE DIREITO
Trabalho de Curso apresentado à banca examinadora da Faculdade de Direito do Centro Universitário Fieo de Osasco/SP, como exigência parcial para obtenção de grau de Bacharel em Direito.
ORIENTADOR: Prof. Ms. PAULO DE TARSO SIQUEIRA ABRÃO.
OSASCO/SP
2009
CENTRO UNIVERSITÁRIO FIEO
FACULDADE DE DIREITO
COORDENADORIA DE TRABALHOS DE CURSO
O trabalho de Curso O PODER DE POLÍCIA NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, elaborado pelo aluno Eliseu Gomes de Oliveira, foi julgado adequado para obtenção do grau de BACHAREL EM DIREITO e aprovada, em sua forma final pela coordenadoria de trabalhos de curso, da Faculdade de Direito do Centro Universitário Fieo de Osasco/SP.
Osasco, ___ de _____________ de 2009.
__________________________________
Prof. …………………………….
Coordenador de trabalhos de curso
Apresentada à Banca integrada pelos seguintes professores:
Professor ___________________________________
Professor ___________________________________
DEDICATÓRIA
A minha mulher Suelen, e aos meus filhos, Bianca e Eduardo. Amo Vocês!
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família e amigos, pelo apoio e compreensão nos momentos de ausência.
Aos colegas de faculdade, pelo companheirismo e pelas parcerias nos estudos.
Ao meu irmão, Doutor Edson e ao Doutor Antônio Pessanha, aqueles que fizeram ter os primeiros contatos com o direito de trânsito e que continuam a me ensinar.
Ao meu pai, Euthair Gomes de Oliveira, que mesmo não tendo oportunidade como esta, sempre ensinou a importância do estudo.
A competência é a primeira condição de legalidade.
Cáio Tácito
RESUMO
O presente trabalho aborda o Poder de Polícia no código de trânsito brasileiro, com ênfase a algumas causas de nulidades, decorrentes, dentre outras coisas, de vícios de competência por inexistência de convênio ou por impossibilidade de delegação. Aborda, inicialmente, entretanto, considerações gerais sobre o poder de polícia, seus conceitos, atributos, finalidade e condições de validade; polícia sanitária, polícia de segurança, polícia de posturas, polícia ambiental, etc. O poder de polícia em matéria de trânsito atribuído à União, Estados, Distrito Federal e Municípios; possibilidade de convênio e delegação da competência. Tece algumas considerações acerca da atuação das Guardas Municipais na fiscalização de trânsito ante a Deliberação 01/2005 do CETRAN/SP; Enfrenta a divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da possibilidade do exercício do poder de polícia por empresas públicas e empresas de economia mista a luz de uma integração legislativa, doutrinária e jurisprudencial.
Palavras-chave: Poder de Polícia de trânsito – Direito de Administrativo – Competência originária e delegada.
LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E SÍMBOLOS
§ – parágrafo
§§ – parágrafos
AI – Agravo de Instrumento
AIT – Auto de Infração de Trânsito
APC – Apelação Cível
Art. – artigo
c/c – combinado com
CETRAN – Conselho Estadual de Trânsito
CF – Constituição Federal
C.f. – confira, confronte com
cit. – citado(a)
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNH – Carteira Nacional de Habilitação
CONTRAN – Conselho Nacional de Trânsito
CONTRANDIFE – Conselho de Trânsito do Distrito Federal
CPC – Código de Processo Civil
CTB – Código de Trânsito Brasileiro
CTN – Código Tributário Nacional
D.J.U. – Diário de Justiça da União
D.O.U. – Diário Oficial da União
DENATRAN – Departamento Nacional de Trânsito
Des. – Desembargador
DETRAN – Departamento Estadual de Trânsito
i. é – isto é
JARI – Junta Administrativa de Recursos de Infrações
LICC – Lei de Introdução do Código Civil
NIT – Notificação de Infração de Trânsito
PSDD – Processo de Suspensão do Direito de Dirigir
Pts. – pontos
RENACH – Registro Nacional de Carteiras de Habilitação
RENAINF – Registro Nacional de Infrações de Trânsito
RENAVAM – Registro Nacional de Veículos Automotores
Res. – Resolução
RESP – Recurso Especial
SDD – Suspensão do Direito de Dirigir
SNT – Sistema Nacional de Trânsito
STJ – Superior Tribunal de Justiça
TJ – Tribunal de Justiça
“v.g.” – verbi gratia (por exemplo; o mesmo que)
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….. 10
2. PODER DE POLÍCIA………………………………………………………………. 12
2.1. GENERALIDADES………………………………………………………………….. 12
2.2. CONCEITOS………………………………………………………………………….. 12
2.3. ATRIBUTOS…………………………………………………………………………… 14
2.4. FINALIDADE………………………………………………………………………….. 16
2.5. CONDIÇÕES DE VALIDADE……………………………………………………. 16
2.6. ESPÉCIES……………………………………………………………………………… 17
3. O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA NO SISTEMA
NACIONAL DE TRÂNSITO……………………………………………………… 18
3.1. UNIÃO, ESTADOS, DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS…………… 19
3.2. CONVÊNIO E DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA NO CTB………….. 22
3.3. GUARDAS MUNICIPAIS E DELIBERAÇÃO 01/2005 DO CETRAN/SP…………………………………………………………………………… 22
3.4. EMPRESAS PÚBLICAS E DE ECONOMIA MISTA……………………… 26
4. O ENFRENTAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL SOBRE O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA POR ENTES
DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA…………………………………………….. 29
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS……………………………………………………… 35
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS………………………………………….. 38
1. INTRODUÇÃO
Com a Edição da lei 9503 de 23 de setembro de 1997, vigente a partir de 21 de janeiro de 1998, o Brasil ganhava um novo pergaminho para reger as regras de trânsito, cabíveis e aplicáveis a todos os veículos, motorizados ou não, a pedestres e condutores, o qual buscava minimizar, dentre outras coisas, as inúmeras mortes que vinham ocorrendo nas vias públicas de todo país.
Mais que uma simples lei, o “novo código de trânsito brasileiro”, trazia, como de fato trouxe a esperança de uma redução significativa de mortes e acidentes de trânsito, como realmente ocorreu logo no início de sua vigência. O Código de trânsito brasileiro era considerado por muitos como um dos mais modernos do mundo, sendo equiparado, inclusive, com o código Sueco.
Ocorre, entretanto, que, assim como a maioria das leis brasileiras, do projeto até sua entrada em vigor, muitos anos se passam, de modo que nem sempre atinge os âmagos da sociedade.
A “nova lei” trouxe uma serie de inovações, dentre as quais a inserção dos municípios nas atribuições das funções de trânsito, anteriormente exercida somente pelos Estados e pela União, bastando somente sua integração ao sistema nacional de trânsito. Para isso ocorrer, é necessário que o município apresente ao Departamento Nacional de Trânsito estrutura mínima para gerenciamento de suas atividades.
Com isso, municípios maiores, como São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Santos, etc., por todo seu poder econômico, criaram empresas públicas e de economia mista para melhor desenvolvimento de suas atividades. Por outro lado, municípios menores, como Itapevi, Barueri, Amparo, São Bernardo do Campo, etc., optaram por criar Departamentos de trânsito municipais, delegando, todavia, a função de fiscalização de trânsito às Guardas Municipais, principalmente por uma questão de economia com a contratação de pessoal.
Por isso, o presente trabalho tem por objetivo estudar, sem esgotar o assunto, a legalidade da atuação das Guardas Municipais no exercício do poder de polícia de trânsito, embora com autorização legislativa, em contraponto a disposição Constitucional do art 144, §8º.
Enfatizará também a possibilidade de pessoas jurídicas de direito privado exercerem o poder de polícia em matéria de trânsito e também o seu exercício por pessoas jurídicas de direito público da administração indireta.
2. O PODER DE POLÍCIA
2.1. GENERALIDADES.
O poder de polícia, diferentemente do que o leigo pode pensar, não é o mesmo que o “poder da polícia”, embora esta, em regra, possua tal poder.
O poder de polícia é uma das atividades mais importantes da administração pública, sem o qual a administração não teria meios para desenvolver grande parte de suas funções constitucionalmente atribuídas.
Em regra, os direitos que constitucionalmente possuímos sofrem limitações por parte da administração pública, sobretudo para preservar o interesse público. Assim, se não há interesse público na limitação desse direito, não haverá atuação do poder de polícia. Por outro lado, sempre que formos exercer um direito e seu exercício puder afetar de alguma forma a coletividade, esse direito estará sujeito às atividades de polícia.
2.2. CONCEITOS.
O poder de polícia, como definição legal, só possui aquela do art 78 do Código Tributário Nacional – CNT , que, inclusive, cai muito bem para todas as áreas do direito administrativo, cujo conteúdo é abrangente e, quase na totalidade das vezes, dá ao administrador condições de atingir sua finalidade.
A doutrina conceitua o tema de forma muita próxima a própria definição legal, alguns de forma mais restritiva outros de forma mais abrangentes.
Diógenes Gasparini conceitua poder de polícia como sendo atribuição “que dispõe a administração pública para condicionar o uso, o gozo e a disposição da propriedade e restringir o exercício da liberdade dos administrados no interesse público ou social” .
Hely Lopes Meirelles, por sua vez, traz o que podemos chamar de conceito mais técnico da noção poder de polícia, dispondo que “é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública, para conter os abusos do direito individual ”.
Caio Tácito, de forma mais ampla, explica que:
é o principal instrumento do Estado no processo de disciplina e continência dos interesses individuais, reproduz, na evolução de seu conceito, essa linha ascencional de intervensão dos poderes públicos. De simples meio de manutenção da ordem pública ele se expande ao domínio econômico e social, subordinando ao controle e à ação coercitiva do Estado uma larga porção da iniciativa privada ”.
Ainda o prof. Caio Tácito, noutra ocasião , de forma mais simplificada ensinou que “o poder de polícia é, em suma, o conjunto de atribuições concedidas à Administração Pública para disciplinar e restringir, em favor do interesse público adequado, direitos e liberdades individuais”.
Por esses conceitos, sem necessidades de outros doutrinadores, entendemos que o poder de polícia não tem em seu bojo a conjectura de proteger a coletividade, que é um tanto quanto limitada, mas sim o interesse público, em seu sentido mais amplo possível. Ou seja, restringe-se o individual ou determinada coletividade para assegurar um interesse sobreposto a este, o interesse público em geral.
2.3. ATRIBUTOS.
O Poder de Polícia administrativa tem atributos específicos e peculiares ao seu exercício, atributos esses que se prestam a dar eficácia aos atos de polícia, e tais são a Discricionariedade, Auto-executoriedade e a Coercibilidade.
A discricionariedade, como bem vem ensinando a quase totalidade da doutrina, é justamente a faculdade que a Administração Pública tem para decidir, dentre de determinados parâmetros legais. Com essa discricionariedade a Administração Pública diante de casos concretos pode decidir, de acordo com as peculiaridades de cada caso, qual a medida ou sanção aplicar, dentre aquelas que a norma de direito permita.
O ato discricionário, até mesmo para não ser tido ou confundido como arbitrário, deve ser motivado, como regra geral. Caio Tácito em determinado momento chamou esta discricionariedade de “faculdade para apreciar o valor dos motivos e determinar o objeto do ato administrativo ”.
Assim, a discricionariedade possibilita a Administração Pública à faculdade para decidir em aplicar norma mais severa ou mais branda, dentre as quais a lei lhe permita, observando, para tanto, a gravidade do ato praticado, os antecedentes do suposto infrator, o dano concreto ou potencial que a prática da infração tenha causado ou poderia causar.
A Auto-executoriedade é atributo de fundamental importância para o poder de polícia, pois se assim não o fosse, a Administração Pública precisaria do Poder Judiciário para dar cumprimentos às restrições ou sanções impostas, o que, por exemplo, inviabilizaria a atividade administrativa, além do que, sendo o poder de polícia próprio da Administração, sujeitá-los a autorização judicial para torná-los exeqüíveis seria o mesmo que negar a separação dos poderes .
Parte da doutrina e jurisprudência também denomina como Autotutela administrativa a possibilidade de se executar diretamente os atos emanados do poder de polícia sem utilizar a via cominatória, que também é posta a disposição, em caráter facultativo.
Por força da exeqüibilidade, a Administração dispõe de possibilidade de, por meio de seus agentes credenciados, executar as decisões tomadas, sem apoio em título executivo, expedido pelo juiz. Isso ocorre porque, pela simples razão de terem sido expedidos pela Administração Pública trazem em seu bojo presunção de legitimidade, que lhe é inerente .
A coercibilidade é mecanismo que a administração utiliza para, se necessário for, impor, a força, inclusive física, as vontades Estatais, que, pelo menos em tese, representa a vontade pública.
Por força desse instituto o Estado condiciona a expedição de autorizações, licenças ou permissões em geral ao cumprimento de determinadas exigências legais. Assim, por exemplo, o Estado para expedir a licença para conduzir veículos exige que o candidato se submeta à freqüência e aprovação em cursos teóricos e práticos de direção veicular, ao pagamento de taxas e a submissão a exames, dentre outras exigências previstas em normas específicas. O mesmo acontece com a licença Anual de veículos automotores, cuja expedição está condicionada ao pagamento de todas as taxas, multas, impostos ao veículo.
2.4. FINALIDADE.
A finalidade do poder de polícia é a preservação da supremacia do interesse público legítimo.
Quando a Administração Pública cria determinado órgão, autarquia, departamento, empresa pública, etc., cria para finalidades específicas.
Ao criar um órgão a administração estabelece a finalidade da criação do órgão, que deverá, ao exercer suas competências, buscar atingir as finalidades de sua criação.
2.5. CONDIÇÕES DE VALIDADE.
As condições de validade à prática de atos de polícia resumem-se em três, sendo elas, competência, finalidade e forma, acrescidas de razoabilidade, proporcionalidade e legalidade dos meios empregados.
Caio Tácito há cinqüenta anos já ensinava que:
A primeira condição de legalidade é a competência do agente. Não há, em direito administrativo, competência geral ou universal: a lei preceitua em relação a cada função publica, a forma e o momento do exercício da atribuição do cargo. Não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma do direito. A competência é sempre, um elemento veiculador, objetivamente fixado pelo legislador. (destacamos)
A finalidade, como já expusemos, visa preservar a supremacia do interesse público legítimo.
A forma de realização do ato de polícia, de maneira geral, consta na própria lei que estabeleceu a competência. Assim, se a lei estabelecer que aquele ato só pode ser realizado na presença de testemunhas, ou estando os agentes públicos fardado, portando equipamento técnico ou com observância de certos meios, só assim o ato poderá ser realizado, sob pena de nulidade do ato .
A forma consiste justamente na previsibilidade das etapas que serão seguidas para realização do ato. A exteriorização deste ato deve revestir-se de forma legal, o que é imprescindível à sua perfeição. Enquanto no direito privado a autonomia da vontade e a liberdade de forma é regra, no direito público é exceção.
2.6. ESPÉCIES.
Dentre as inúmeras espécies de poder de polícia administrativa que conhecemos, as que mais se destacam são: trânsito, caça e pesca, florestal, sanitária, de costumes e edilícia.
Em regra, o ente político que possui competência para legislar sobre o assunto é quem exerce o poder de polícia naquela matéria, todavia, em muitos casos, por economia de recursos humanos, e até mesmo para induzir maior eficácia às ações da administração, o que acaba acontecendo é a delegação de algumas dessas funções, como ocorre no caso do trânsito, onde a competência em razão da matéria é da União, mas delegou aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios algumas funções, dentre elas as funções de fiscalização de trânsito.
3. O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA NO SISTEMA NACIONAL DE TRÂNSITO.
Na instituição do atual Código de Trânsito Brasileiro decidiu o legislador pátrio por partilhar, entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para operacionalização do trânsito viário, a fim de proporcionar, desta forma, melhores condições de fiscalização, atendendo, especialmente, ao reclamo dos grandes municípios.
Assim, por essa repartição de competências, que originalmente é privativa da União , os municípios passaram a se integrar ao Sistema Nacional de Trânsito – SNT, onde recebiam o “bônus” de arrecadar as multas decorrentes das autuações que lavrassem, e o ônus montar toda uma estrutura compatível com as peculiaridades da atividade que desenvolveriam.
Para muitos municípios, a integração ao SNT, que é facultativa, se deu por motivo de conveniência financeira, pois municípios viram na arrecadação de multas de trânsito grande fonte de receita, desviando a real finalidade de integração ao Sistema.
3.1. UNIÃO , ESTADOS , DISTRITO FEDERAL E MUNICÍPIOS.
Segundo o Código de Trânsito à União ficaram reservadas as competências de baixar normas regulamentares e a coordenação do SNT , supervisão e correição dos Órgãos de Trânsito e a fiscalização de trânsito nas rodovias federais .
No caso, por não interessar ao tema em desenvolvido, não entraremos nas funções do CONTRAN e do DENATRAN, mas tão somente aos demais órgão da União, aqueles que exercem a fiscalização de trânsito viária, ou seja, o DPRF e o DNIT.
O DPRF é órgão definido a nível constitucional, cuja previsão está no art. 144, § 2º, sendo, “órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo nas rodovias federais”.
As atividades do policia rodoviário federal estão, em parte previstas na lei 9654/98. Todavia, as competências que nos interessam estão previstas no CTB, lei 9503/97.
O CTB atribuiu ao DPRF competências próprias e outras concorrentes com o DNIT, conforme consta nos art 20 e 21 do CTB.
No caso, o que nos interessa é análise das competências para fiscalização de trânsito nas vias públicas. Nisto, como a competência é comum, para não gerar equívocos, ou se assim podemos dizer, arbitrariedade, O DNIT só tem fiscalizado emissão de poluentes e excesso de peso em caminhões, enquanto que a fiscalização por outras infrações tem ficado a cargo do DPRF .
Aos Municípios, desde que integrados ao SNT , ficou reservada a competência de fiscalizar o trânsito, ao longo de sua extensão territorial, aplicando as sanções decorrentes de infrações por circulação, parada e estacionamento . Cumpre salientar que ao município não foi reservada competência normativa ou regulamentadora, diferentemente do que aconteceu com União, Estados e Distrito Federal.
Para integração ao SNT o município encaminha ao DENATRAN a lei aprovada criando o órgão executivo de trânsito do município, com toda a estrutura funcional, além da criação da JARI que julgará os recursos interpostos contra as penalidades que o órgão impor. Neste mesmo ato encaminha cópia do ato que esteja nomeando a Autoridade de trânsito que responderá pelo órgão, bem como da composição da JARI.
Recebido credenciamento, o órgão passa a ter legitimidade para exercer as competências previstas no art 24 do CTB. Todavia, por inúmeras vezes esse credenciamento foi concedido equivocadamente, uma vez que tais dossiês apresentavam, sob ponto de vista de parte da doutrina e da jurisprudência, irregularidade, ilegalidades, até mesmo inconstitucionalidades, o que veremos nos capítulos seguintes.
Aos Estados, integrantes diretos do sistema nacional de trânsito, o legislador atribuiu competências, que se assim podemos dizer, mais atingem o cidadão, dentre as quais destacamos: a) controlar todo processo de habilitação, expedindo a licença para dirigir, sua suspensão e cassação; b) vistoriar e inspecionar as condições dos veículos automotores, expedindo o registro e licenciamento de veículos; c) fiscalizar o trânsito, aplicando as sanções cabíveis; e d) competência normativa e consultiva suplementar.
Ao Distrito Federal, por sua condição anômala, não sendo nem Estado nem município, presume-se o exercício de todas as atribuições constitucionais que lhe são inerentes, quer seja, o exercício tanto das competências dos Estados como as dos municípios. Todavia, algo que nos chama a atenção é que, o código de trânsito não relaciona ao distrito federal as competências dos municípios, enquanto que o relaciona explicitamente ao lado dos Estados. Seria esse um vício de competência?
A nosso ver as autuações lavradas por agentes do DETRAN do Distrito Federal, por circulação, parada e estacionamento, que seriam de competência municipal, são nulas de pleno direito, pois a constituição reservou ao Distrito Federal as competências dos Estados e dos municípios, em matéria legislativa e tributária.
Todavia, se tratando de trânsito, matéria privativa da União, o Distrito Federal só pode exercer nos limites da delegação, isto é, ao Distrito Federal, consoante o que dispõe a lei 9503/97, são atribuídas as competências dos art. 14, 21 e 22, não abrangendo, portanto, as competências do art. 24.
Neste sentido, o prof José Afonso da Silva ensina que “ao Distrito Federal são atribuídas às competências tributárias e legislativas que são reservadas aos Estados e Municípios”. Segue ainda ensinando que “nem tudo que cabe aos Estados foi efetivamente atribuído à competência do Distrito Federal”.
3.2. CONVÊNIO E DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA NO CTB.
Dispõe o Art 25. Os órgãos e entidades executivos do Sistema Nacional de Trânsito poderão celebrar convênio delegando as atividades previstas neste código, com vista à maior eficiência e à segurança para o usuário.
O art. Acima descrito faz menção à possibilidade dos órgãos de trânsito estabelecerem, entre si, relações jurídicas, destinadas à cooperação, cujo objetivo é atingir o grau máximo de eficiência na gestão das coisas de trânsito, principalmente no que se refere à fiscalização de trânsito.
Assim, admitem-se a realização de convênio entre órgãos de entes políticos de esferas diferentes (União, Estados e Municípios), como também entre entes de mesmo nível (município-município, Estado-Estado).
3.3. GUARDAS MUNICIPAIS E A DELIBERAÇÃO 01/2005 DO CETRAN/SP.
Ao se integrar ao SNT o município apresenta ao DENATRAN uma estrutura mínima com a qual pretende exercer as atribuições do art. 24 do CTB.
Muitos municípios pequenos, seja por ignorância do legislador, seja por economia com a contratação de pessoal, optaram por muitas vezes em credenciar Guardas Municipais para exercerem as funções de agentes de trânsito na forma do art. 280, §4º do CTB. Todavia, vale salientar que o DENATRAN até o ano de 2004 admitia tal possibilidade, por uma interpretação jurídica, entendendo não haver impedimento para que Guardas Municipais exercessem tais funções.
Em 2004, após uma consulta formulada pela Polícia Militar de São Paulo, o DENATRAN, através de sua consultoria jurídica, entendeu por melhor reposicionar-se quanto ao assunto, não mais admitindo a atuação das Guardas nessa função.
Neste caso, ao nosso entender, acertou o DENATRAN em rever o entendimento que até então permitia aos municípios credenciarem Guardas Municipais às funções do código de trânsito.
As Guardas Municipais receberam grande destaque com o advento da Carta Magna de 1988, pois se admitiu a criação para proteção do patrimônio, dos bens e dos serviços públicos, na forma que a lei dispusesse.
Ocorre, no entanto, que alguns municípios ao criarem Guardas Municipais interpretaram extensivamente o mandamento Constitucional, o que não seria cabível, segundo a doutrina majoritária sobre o assunto. Diógenes Gasparini , por exemplo, sempre ensinou que as “Guardas Municipais não tocam senão os serviços mencionados no §8º do art 144 da CF, interpretando, assim, corretamente o mandamento constitucional”.
É necessário salientar que a locução constitucional na forma em dispuser a lei, contida no §8º do art 144 da CF/88, não tem condão a ampliar o “rol” de serviços das Guardas, mas tão somente estabelecer como tais serviços seriam executados, como seria sua criação, regime disciplinar, hierarquia, etc., nunca permitiu que passasse disso.
Os municípios, entretanto, seja por equívoco na interpretação constitucional, seja, como já dissemos, por uma questão de economia com a contratação de pessoal, criaram Guardas, outorgando, implicitamente Poder de Polícia. Em alguns casos, essa atribuição foi explícita, como ocorreu, por exemplo, no município de Barueri, onde o art. 2 da lei municipal 1011/07, editada logo após a publicação do CTB, cometia às guardas municipais os exercício do poder de polícia de trânsito, no âmbito do município, podendo exercer todas as funções típicas do município, na condição de agentes de trânsito.
Igual modo ocorreu em municípios como Itapevi, São Bernardo do Campo, Amparo, dentre outros, cujas leis nada mais são do que cópias umas das outras, no que se refere a esse assunto.
Em 2005, calcado na jurisprudência e na doutrina trazidas pelo Parecer 256/2004 do DENATRAN, o CETRAN/SP, visando modificar o que até em então era tolerado, publicou a Deliberação 01/2005, cujo teor resumiu-se as seguintes palavras: “Não têm competência os integrantes da Guarda Municipal para o exercício da função de agente de trânsito, por força do princípio específico do art. 144, § 8º da Constituição Federal de 1988, devendo cessar sua atividade nesse mister, sem prejuízo dos atos praticados anteriormente, em virtude do entendimento então tolerado pelo Denatran”.
Os membros do Conselho, que a nosso ver tinha naquela sua melhor composição de todos os tempos, entenderam que a atribuição às Guardas das funções de trânsito era um equívoco, no entanto que determinaram imediata cessação de suas atividades no trânsito.
Realmente, pelo que vemos na doutrina majoritária , às Guardas Municipais não são delegadas as competências típicas do poder polícia, se incluindo nelas as de trânsito.
Neste sentido, merece transcrição à parte conclusiva do parecer 256/04 do DENATRAN, de lavra da Consultora Jurídica Drª Bárbara Heliodora Ribeiro de Machado e Silva que “as guardas municipais não têm competência para autuar na fiscalização de trânsito nem, como decorrência, admissibilidade com vistas a aplicar multas de trânsito, sob pena de nulidade das mesmas”.
A possibilidade aberta pelo código de trânsito (art. 280, §4º), dispondo que o agente de trânsito poderia ser servidor civil, estatutário ou celetista ou, ainda, policial militar, não contempla as atividades das Guardas, até mesmo porque sua contemplação seria contrária a norma constitucional, uma vez que as Guardas não têm poder de policia, em seu sentido mais amplo possível.
Assim, qualquer cidadão para ser investido na função de agente de transito precisa passar pelo crivo do concurso público, com a submissão às etapas necessárias à complexidade do cargo. Não basta que seja funcionário público concursado apenas , deve ser concursado para função específica de agente de trânsito, independente do regime de contratação, estatutário ou celetista.
A única exceção que a lei faz, quanto ao credenciamento e nomeação de agente não concursados para esse fim, é quanto ao policial militar, cuja atividade já é típica de polícia . Todavia, o exercício da atividade retro só se realizará “quando e conforme convênio firmado com o órgão de trânsito”, sob pena de nulidade de sua atuação. Como já lembrado anteriormente, na obra do saudoso Professor Caio Tácito , “A competência é sempre, um elemento veiculador, objetivamente fixado pelo legislador”. Nesse caso, a lei estabeleceu como condição de competência a existência de convênio firmado entre Polícia Militar e órgão de trânsito detentor da competência (art. 23, III, do CTB).
Neste sentido a lição de Nei Pires Mitidiero .
As funções de policiamento ostensivo e de preservação da ordem pública cometidas pela CF, art. 144. V e §5º, às polícias militares. Aqui, legislação ordinária infraconstitucional, ratifica-se essa competência, enfatizando-se-á exercitável nas vias terrestres abertas à circulação, afetadas o trânsito.
As polícias militares estaduais têm os âmbitos de suas atuações limitadas às áres dos respectivos Estados, em regiões urbanas e rurais, atendo-se, em matéria viária, à fiscalização e, como estabelecido no inciso III, às atribuições legais conferidas aos agentes das autoridades de trânsito, isto quando e conforme convênio firmado com entidades e órgãos executivos de trânsito.
É necessário ressaltar, todavia, às polícias militar foi autorizado, desde que exista convênio firmado com o órgão de trânsito, as funções de fiscalização de trânsito e a adoção das medidas administrativas cabíveis, dentre as relacionadas no art. 269 do CTB. Entretanto, o que sequer pode ser objeto de delegação é a competência para aplicação de penalidades, cuja atribuição é privativa da autoridade de trânsito (art. 281, caput).
Arnaldo Rizzardo e Nei Mitidiero comungam do mesmo entendimento, e ensinam que essa atribuição é insucetível de delegação, especialmente às polícias militares, pois a estas só podem ser delegadas funções relacionadas a fiscalização de trânsito, na condição de agentes, e não de autoridade (art. 280, §4º e 23, inc III, CTB).
3.4. EMPRESAS PÚBLICAS E DE ECONOMIA MISTA
Empresas públicas são pessoas jurídicas de direito privado, instituídas pelo poder público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público, para prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial.
As características das empresas públicas são: a) patrimônio próprio e exclusividade de capital público, b) controle exclusivo do ente público que a criou, c) Personalidade jurídica de direito privado, d) atuação nas áreas de prestação de serviços públicos, industrialização e comercialização de produtos e intervenção no domínio econômico; e e) Criação por lei específica.
Embora denominada como pública, conforme decreto-lei 200/67, a empresa pública é a típica empresa de direito privado, inclusive quanto às suas obrigações, fiscais, trabalhistas, comerciais e civis, cujo objetivo é ter lucro. O que a diferencia das demais empresas é o capital exclusivamente público e a sujeição a alguns princípios do direito público, como é o caso da contratação de pessoal somente através de concurso público e do uso de licitação para aquisição de produtos e serviços.
Integrante da administração pública indireta, a empresa pública, diferentemente do que acontece com as autarquias, é pessoa jurídica de direito privado e, por ser definida desta forma, só exerce funções que poderiam ser exercidas por particulares em geral, como ocorre, por exemplo, nos casos de permissionários ou concessionários. O poder de polícia, por exemplo, a nosso ver, não pode ser exercido por entes que não sejam de direito público, como veremos no capítulo a seguir.
Sociedades de economia mista, por sua vez, são pessoas jurídicas de direito privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para realização de atividade econômica ou serviço público outorgado pelo Estado.
Sua criação deve ser autorizada por lei, devendo adotar a forma de sociedade anônima, cuja administração e capital majoritário são do Estado, aplicando-se, no demais, as mesmas regras das Empresas Públicas.
É mister que nem as empresas publicas nem as de economias mistas estão sujeitas à falência, segundo boa parte da doutrina, pois criada ou autorizada por lei sua criação só por lei poderá ser extinta.
As sociedades de economia mista e as empresas públicas, embora entes da administração pública indireta, não são pessoas jurídicas de direito público e, por isso, não têm, como regra, algumas prerrogativas inerentes a administração pública, como maior prazo para contestar ou recorrer .
4. O ENFRENTAMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL SOBRE O EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA POR ENTES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA.
Há algum tempo a doutrina, ou pelo menos boa parte dela, vem discutindo a possibilidade do exercício do poder de polícia por entes que não pertençam a administração pública.
Alguns defendem que o exercício do poder de polícia é atividade típica e indissociável do Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público da administração direta, de modo que nem mesmo às Autarquias poderiam ser delegados tais poderes, como é o caso do acórdão proferido pela quinta câmara cível do TJ fluminense, assim ementado:
Trânsito. Exercício do poder de polícia. Atividade típica do Estado. Indelegabilidade. Multa aplicada por agente não integrante dos quadros administração direta. Cancelamento da multa. Manutenção da sentença.
Para outra parte da doutrina, esta menos radical, só não admite o exercício do poder de polícia por entes que não sejam de direito público. Ou seja, sendo autarquia pessoa jurídica de direito público, ainda que órgão da administração indireta, poderia esta exercer o poder de polícia, na forma em que a lei a atribuísse; o que não poderia era que empresas públicas e de economias mistas exercessem tais funções, como defendem Caio Tácito , Diógenes Gasparini , Álvaro Lazzarini , Edimur Ferreira de Faria , Bilac Pinto , Hely Lopes Meirelles e Heloisa Trípoli Goulart Piccinini .
Contrario a esse posicionamento, entendendo ser possível o exercício do poder de polícia por empresas públicas e de economias mistas, embora alguns com ressalvas, são Diogo Figueiredo Moreira Neto , José Afonso da Silva , Celso Antônio Bandeira de Mello , José dos Santos Carvalho Filho , Heron Nunes Estrella .
A primeira parte da doutrina, que nos é apresentada como majoritária, é no sentido de que somente os órgãos públicos, quer seja da administração direta, quer seja da administração indireta, quando regulados pelo regime de direito público, exclusivamente, é que podem exercer as atividades típicas do poder de polícia, como há muito tempo ensinou o Prof Caio Tácito, in verbis:
O poder de polícia é atividade típica do Estado, enquanto pessoa jurídica de direito público. Não pode esta atividade ser atribuída a pessoa jurídica de direito privado, pois é atividade indissociável do Estado.
Do mesmo modo os ensinamentos de Álvaro Lazzarini ao dispor que “O poder de Polícia só poder ser exercido pela administração pública, como poder público”. Diz ainda: “o poder de polícia é indelegável. Ele é exclusivo da administração pública, como poder público”. Segue dizendo ainda que as paraestatais são pessoas jurídicas de direito privado, não podendo ser confundidas como poder público, conseqüentemente, os atos de polícia que pratica são nulos, por vício de competência .
Em excelente artigo, abordando o tema da indelegabilidade do poder de polícia, especificamente no Código de trânsito, Diógenes Gasparini, com apoio de Álvaro Lazzarini e de Ruy Cirne Lima, ensina que:
“A fiscalização de trânsito, que integra o conceito de policiamento de trânsito, bem por isso só pode ser exercida pela administração pública enquanto poder público, e não como particular” e segue ensinando que “no campo do poder de polícia só há atividades próprias, indelegáveis, portanto”.
Faz sentido as razões expostas por Gasparini, pois o CTB estabelece que os órgãos integrantes do SNT devem ter personalidade jurídica de direito público, como se depreendem os princípios que regem o direito administrativo, uma vez que as funções polícia são típicas do Estado.
No mesmo sentido também foi o parecer 15/2000, de lavra da auditora do TCE/RS por ocasião da consulta formulada pelo município de Vera Cruz, ementado da seguinte forma: “Autuação, aplicação e arrecadação de multas. Poder de Polícia cometido aos municípios indelegável a pessoa jurídica de direito privado”.
O professor Edimur Ferreira de Faria também comunga da mesma opinião e, ao tratar sobre poder de polícia ensina:
Inicialmente, é oportuno registrar que só a Administração direta, nas três esferas da Administração Pública, e as autarquias têm competência para exercer a polícia administrativa. Hoje, as fundações de direito público, por serem verdadeiras autarquias, parecem ter legitimidade para desempenhar essa função. As demais entidades integrantes da Administração indireta e as concessionárias de serviços públicos não têm legitimidade para exercer a polícia.
Por outro lado, parte da doutrina, não menos fundamentada, ensina que há sim possibilidade do exercício de tal poder por entes privados, pois estarão no exercício da função pública, o que os legitimariam.
É o que Diogo de Figueiredo Moreira Netto ensina in verbis:
Assim, Considerando o desdobramento das quatro fases do exercício do Poder de Polícia, a ordem de polícia, o consentimento de polícia, a fiscalização de polícia e a sanção de polícia, observa-se que a primeira é reserva de lei (embora possa admitir desdobramento discricionário), a segunda e a terceira são atividades administrativas delegáveis e apenas a quarta se constitui numa atividade administrativa indelegável, reserva coercitiva do estado que é.
Entendimento semelhante esboçou Celso Antônio Bandeira de Mello, apud Adilson Dallari, ensinando que os atos preparatórios ou sucessivos aos de polícia podem ser praticados por particulares, pois a administração pública só emitirá o ato se confirmada sua regularidade , in verbis:
A privatividade de órgãos públicos no exercício de polícia não impede a atribuição a particulares das atividades técnicas, instrumentais, de mera verificação, com base nas quais a entidade emitirá a declaração de conformidade (habitando ao exercício de um direito) ou aplicará alguma sanção, no caso de desconformidade.
Da mesma maneira já se manifestara José Afonso da Silva ao ensinar que o poder de polícia pressupõe competência atribuída por lei em sentido estrito. O poder de polícia especial, diversamente do que ocorre com o poder de polícia geral, pode ser delegado às entidades diversas das de direito público, citando como exemplo a atuação da CETESB, EMBRATUR, DERSA, etc, pessoas jurídicas de direito privado, da administração publica indireta, que têm áreas bem definidas de atuação e que exercem poder de polícia.
O DD procurador do município de Porto Alegre, Heron Nunes Estrella, por ocasião do parecer 1067/2003, aprovado pelo procurador geral, passa-nos entendimentos no mínimo discutível a cerca de seu posicionamento, no qual sustentava a legalidade das autuações lavradas por agentes da EPTC, empresa pública do município de Porto Alegre, pois em seus fundamentos escreveu que os agentes da EPTC não exerciam atividades típicas de Estado, nem tão pouco eram os agente enquadrados como policia de trânsito.
Ora, a nosso ver, e pelo menos para boa parte da doutrina equivocada a fundamentação do DD procurador, isto porque se não exercem funções típicas de Estado não podem eles lavrar autuações, pois o poder de polícia de trânsito é ato típico de Estado, enquanto poder público. O que é a fiscalização e lavratura de autuações senão atos típicos e decorrentes do poder de polícia.
Isto é que vem ensinando a doutrina mais abalizada, dentre as quais, não poderia ficar de fora Hely Lopes Meirelles, quando ensinou que “poder de polícia é o mecanismo de frenagem que dispõe a administração pública para conter os abusos do direito individual” (destaquei).
A jurisprudência também não se mostra pacífica sobre o assunto, o que enseja até mesmo a interposição de recurso especial com fulcro na alínea “c” do inc III do art. 105 da CF/88.
O TJ Gaúcho vem decidindo pacificamente sobre o tema no sentido de que, embora caracterizadas como de direito privado, as empresas púbicas e de economia mista ao exercerem a fiscalização de trânsito o faz com fundamento nas regras de direito público aplicáveis, no caso, o código de trânsito e legislação complementar. É o que se extrai da ementa da Apelação Cível nº 70017577099, in verbis:
A polícia administrativa do trânsito é atividade pública típica submetida ao regime jurídico administrativo. As sanções aplicadas pela prática de infrações ao trânsito são disciplinadas pelas normas de direito público
A EPTC – Empresa Pública de Transporte e Circulação – é sociedade anônima criada pelo Município de Porto Alegre que tem por objeto o exercício do poder de polícia do trânsito confiado aos Municípios pelo Código Nacional de Trânsito. Conquanto tenha personalidade de direito privado, a polícia administrativa do trânsito executada pela EPTC submete-se às normas de direito público, não se aplicando as normas do Código Civil.
Da mesma forma Apelação Cível nº 70017528563.
DIREITO ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. PRESCRIÇÃO. O Decreto nº 20.910/32 é aplicável à multa de trânsito imposta via auto de infração lavrado pela Empresa Pública de Transporte e Circulação, porquanto esta, embora detenha personalidade jurídica de direito privado, exerce, por delegação da União, cf. art. 24 do CTB, atividade pública de poder de polícia de trânsito. RECURSO DESPROVIDO .
O mesmo posicionamento vem adotando os tribunais de São Paulo, Minas Gerais e do Distrito Federal; embora nestes tribunais o tema ainda não seja pacífico, a jurisprudência majoritária já se firmou no sentido da possibilidade do exercício do poder de polícia por empresas públicas e de economia mista. Todavia, com referência ao tribunal paulista, cumpre salientar que a maioria das decisões levavam em consideração a égide do código de trânsito já revogado, de modo que as teses ventiladas não atacavam os mesmos fundamentos que, por exemplo foram atacados nos acórdãos fluminenses retro.
Em total contraponto ao Tribunal Gaúcho, o Tribunal Fluminense pacificou jurisprudência no sentido de não reconhecer a legitimidade dos atos de polícia oriundos de empresas publicas e de economia mista.
Declaração de nulidade de multas de trânsito emitidas pela EMUSA, empresa privada de Niterói, cujos funcionários não exercem poder de polícia administrativa, função privativa do poder público. Cancelamento das multa emitidas pelos agentes da EMUSA .
Na maioria das decisões fluminenses a fundamentação se direciona no sentido de entender que dispor de forma contrária é contrariar a própria moralidade administrativa, que matéria constitucional.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através deste estudo podemos extrair, no mínimo, quão complexo é o nosso sistema jurídico e quão valioso é o estudo do direito administrativo para boa harmonização da relação Administração Pública e Administrados.
Conseguimos entender que o atual sistema de trânsito vigente no país possibilitou grandes conquistas na administração do trânsito, porém, assim como qualquer ciência humana, necessita de alguns reparos e adaptações, o vem ocorrendo através das inúmeras normas infraconstitucionais que vêm sendo editadas nos últimos anos, buscando sempre um equilíbrio nas relações sociais.
Vimos também que o poder de polícia é um dos poderes que detêm a administração pública para limitar alguns direitos em favor de outros, o qual, bem utilizado traz resultados de curto e longo prazo. Todavia, quando utilizado de maneira irregular pode gerar sérias conseqüências.
Lemos também que os vícios decorrentes do exercício irregular do poder de polícia podem ser anulados ou declarados nulo, quer seja pela própria administração pública, quer seja pelo poder judiciário, ex-ofício, ou a requerimento do interessado, conforme o caso.
Vimos também que não é pacífica a questão do exercício do poder de polícia por entidades não pertencentes a administração pública, enquanto pessoas jurídicas de direito privado.
Seria interessante que a administração pública não mais atuasse no exercício do poder de polícia através de empresas públicas ou de economia mista, a fim de evitar que seus atos sejam questionados como imorais tão somente por serem regidas pelo direito privado, pois aceita tal tese, todo um trabalho feito pode ser declarado nulo, por um simples “detalhe”, que poderia ser percebido e evitado.
Pelo exposto, se as autoridades administrativas de trânsito, ao exercerem o poder de polícia de trânsito, que lhes é inerente, o fizerem com razoabilidade e com observância dos parâmetros de legalidade, como citamos, as mudanças de comportamento entre pedestres e condutores não tardarão, por conseguinte, teremos um trânsito melhor e mais seguro.
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